terça-feira, 5 de maio de 2009




















CORES


1.


Um carro…


Rodas preso nas linhas;

todas,

corpo


entre troncos

lambidos

a fogo.


Dentro, as margens do vento

na face

rosada

florida flora

rústica telha vermelha.


Pelo outro lado, sobem

gorjeios

líquidos

aos pés das cabras.


Não corras a voz

nos fios

telefónicos


ela soa melhor

nos fios

do chão.



2.


Onde estiveram, assim, tão cheios

de seiva teus seios simples,

duros.


(Suculência apertada na boca

da urze e da carqueja

até meus olhos?


Esse leite escorrido

pela ranhura das pedras, teu corpo

despido no murmúrio do sol?)


O verão na face e a luz

mais viva dos círios, sorvo-te

completa, a boca inteira

entrelinhas sinuosas…


Onde estiveram, assim, tão cheios

de seiva teus seios simples,

duros

sem meus lábios?



3.


Os calcanhares do tempo

ressoam na terra, homem,

em ecos

as vidraças que te ouvem!…


Entra

vivo

cor e som.


(Que calor

visionarias agora

na hora

das ancas dançando

na seda do lago onde dormes?)


Quantas sombras,

salpicos oceânicos,

no orgânico rosto metalizado…


(E tu,

através do cano,

namoras

a hora

que te leva ao chão?)


a sombra

a sombra do sono

e de novo dormes!…



4.


Quantas aves fazem ninho no teu corpo

quanta abundância de húmus

agarrado a tuas pernas

são tuas lágrimas quem rega?



É intenção do observador, nesta hora menos própria do dia

despir-se como todos os amantes [a esta hora menos própria do dia

gemem as flores o sol da tarde — sem refresco de frutos por perto onde

mergulhar a boca ressequida ou o corpo (como sofá de pele

que a luz vai comendo)].

É intenção do observador, nesta hora menos própria do dia

mergulhar como todas as crianças nos tanques que povoam a cidade

sem o constrangimento da nudez exposta ao transeunte dando cor

à reportagem de meteorologia: — até fez levantar o asfalto!…

É intenção do observador, nesta hora menos própria do dia

dormir a sesta — até deus o fez ao sétimo dia, porque não fazê-lo

o pobre poeta à sétima hora — após o sol lamber a terra?



Quando subires a serra,

verás o resto

e saberás quem dorme na tela

jorrando água pelos olhos.



5.


Desapareceu o arauto

essa figura de gente que nos batia à porta dos tímpanos

com as novas do dia, lá pela baixa,

e interpelava os manequins passeantes com os fatos último grito,

com sua voz rouca de bagaço.


Desapareceu o arauto

mas a desgraça, não. Tal como o ardina, também ela se veste

de maltrapilho. Farrapos com nome, sim. Farrapos são manequins

passeantes com seus fatos último grito,

(pensando que envergonham as montanhas frias

a noroeste dos sonhos

onde mais uma desgraçada teve um bastardo

do dono da fábrica.

— Já não se usa?!…)


Desapareceu o arauto

e a voz dos bastardos do mundo — fui com eles:

Subimos as penedias interiores onde o tempo parou.

É lá que vivem agora, luz e cor, abrigados por detrás de um cartaz

anunciando cerejas na face da estrada.

E o lugar vai-se enfeitando pelas suas mãos:

cortam-lhe os cabelos espinhosos enquanto as cabras pastoreiam.


Desapareceu o arauto

das ruas

frias

nuas

como a voz dos homens!



6.


Não

mudou

de nome

a lagoa ao fundo do corpo


nem

as mãos

que a mergulham


ganharam asas e novo voo


revivem

apenas

a estrada


com renovado sabor

a luz que outrora era e não via



7.


A minha mãe encontra-se no quadro

rentinho ao chão

pintada a flores de tons sagrados

murmura quando acorda

pelo estio

sedes à minha boca


como fugir deste chamamento

solteiro?


nos traços da lua vejo

pedaços dela

como é bela a minha mãe

viva no quadro

rentinho ao chão.


FERNANDES, Júlio A. B. – Maio 2009

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